Um golo mais, um gole a mais.
Fartura e esplendor, espuma e gás. Um ponta-de-lança com propensão para trocadilhos fáceis.
Fernando Oliveira nasceu no Porto, nos idos de 1975. Formou-se como jogador no azul-e-branco clube local. Aí, presume-se, ganhou aptidões únicas. Uma relação orgásmica com o golo. Um epíteto que marca, de forma indelével, todo o futebol nortenho. Fernando é Bock, recebeu de braços e goelas abertas a sua notável alcunha. Bock é, sem complacências, um super goleador esquecido, poeta maldito do golo, homónimo de cerveja famosa, tudo num só corpo sedento de sentir as redes a balouçar.
Podia ser ficção. Talvez um Robin Hood das divisões inferiores. Quiçá um modesto Hercule Poirot a detectar as pistas do golo. Ou um rebelde incompreendido, o James Dean de Vizela. Mas não. Bock e a sua desdita são cruelmente reais, como mais um despiste no IP4.
A Bock só lhe faltou ser, realmente, super. Domingo após Domingo, Bock cirandou pelas hospitaleiras localidades entre Douro e Minho, no seu afã habitual por entre defesas incautos e guarda-redes desamparados. Labutou, porfiou, alcançou. Bock não parou. Bock facturou e facturou, encheu de alegria os adeptos locais. Glória. Esplendor. O terror dos adversários, sempre com um sorriso humilde a transbordar-lhe da boca. Chuteiras afinadas e remates certeiros, a vida de Bock confunde-se com o golo, para ele vive, dele sobrevive. Bock libertou Freamunde dos jugos neo-imperialistas de Paços de Ferreira, vizinhos aburguesados da Primeira Liga, deu-lhes uma razão para acreditar que era possível ser maior e melhor.
Uma eterna promessa que aguardou pela concretização… A história de Bock é tão linda quanto trágica, porquanto Bock obteve um sucesso local esmagador que nunca extravasou os muros imaginários da II Divisão, a despeito de tanto golo, tanta alegria proporcionada, tanto abraço de companheiro e de aficionado.
Bock podia ser mais uma atracção da tasca, mais um jogador de sueca ou dominó. Mas não; não se resignou e forneceu-nos, a todos nós, o verdadeiro sentido da vida: nunca desistir, sonhar até morrer, marcar um golo aqui e ali. Em Freamunde ou em Caldas de Vizela, resiste e esquece-te que te chamas Fernando Oliveira, a vida brilhará àquele que estende a esperança e a alegria aos que lhe seguem, figuras sombrias do fado que é esta vida de anonimato.
Este predador perdido no obscurantismo, vampiro da grande área, marcou que se fartou. Sempre mais ou menos ignorado pelos menos informados, mais interessados em produtos instantâneos ao olhar, nos grandes e caros artigos de montra, tipo Postigas, Nunos Gomes e Pauletas. Bock lá estava, atrás, furando marcações, atento à linha do fora-de-jogo, remetido para as prateleiras mais recônditas. Um modesto culto da personalidade, bem à sua imagem, desenvolveu-se à sua volta, reclamando-lhe o estatuto.
Passou por Maia, Amarante e Lixa, dali abalou como folha caduca voando ao vento, já com o olhar em Freamunde, onde explodiria, versejando ao ritmo do último toque em direcção às malhas. Pensavam os adeptos, este tem mesmo que sair, é muito bom, com demasiado gás para conseguirmos retê-lo por aqui, nos confins do semi-profissionalismo futebolês lusitano. Um Bock topo de gama. Saiu para o que muitos consideravam uma escalada progressiva rumo ao topo do mundo. O que se seguiu foi Trofense, Marco, Ermesinde, Marco e Leixões. A arrancada tardava. Bock lá ia amansando a bola, indicando-lhe com meiguice “o golo é já aqui”. Mas o sucesso, o reconhecimento, onde ficam?
A massa associativa de Freamunde resgatou de novo o seu filho adoptivo pródigo. Relançou de novo todo o seu instinto goleador. Hoje, a contabilidade dos golos já ultrapassa os cem, foi duas vezes melhor goleador dos campeonatos nacionais, médias inclusivamente superiores a um golo por jogo. E, já a perspectivar o ocaso desta incompreensivelmente desconhecida carreira, regressou ao segundo escalão português. Podia ser desta. Tinha voltado a subir o degrau, as ambições eram legítimas. Debalde. As nuvens não tardaram.
Os últimos ecos deram conta de um desaguisado entre o treinador dessa equipa, o Vizela, por sinal carente de golos, e Bock. Bock, pura e simplesmente… não jogava! Não tinha oportunidade de explanar todo o seu manancial de remates e cabeceamentos fatais, não podia fazer o que mais gostava. Mais uma vez, todas as portas ilustres se fecharam, desprezando o seu currículo construído com suor e golos. Não teve alternativa: empacotou a trouxa e regressou, outra vez, aonde lhe conseguiam dar crédito: Freamunde. A propósito da despedida, o amargurado Bock confidenciou: “No dia da rescisão o técnico fugiu de mim, evitou falar comigo e não esteve na reunião que tive com a direcção. Tive de pedir ao presidente para me permitir ir ao balneário despedir dos colegas.”
Em Freamunde agradeceram. Com muita comiseração, assistem ao seu actual símbolo de volta aos únicos balneários onde sempre se sentiu acarinhado, mesmo sabendo que tal só é possível por manifesta desatenção dos grandes senhores do futebol. Ninguém quer saber de Bock. Ninguém quer olhar para os golos que Bock marca. Ninguém quer um avançado português competente nas suas fileiras. Ninguém quer mais um nome esquisito para ombrear com Sokotas, Kikins ou Buenos.
Bock resignou-se, enfim. 31 anos já não dão azo a grandes utopias. Está destinado a ser o profeta dos mais fracos, um anti-herói forçado pelas circunstâncias mais ou menos funestas que se atravessam no percurso da gente esforçada, mas sem o favorecimento dos astros. Uma história que acabou estranhamente como tantas outras, depois de tanto fulgor evidenciado.
Bock desabafou: “Encontro-me no auge das minhas capacidades como jogador e goleador e só lamento não conseguir concretizar o sonho de jogar na SuperLiga. Cada um nasce para o que nasce, e se calhar, por muito que dê nas vistas, não sairei deste escalão. Mas se tiver que ser assim, que seja sempre ao serviço do Freamunde”.
--------------------------------NOTA: Este belo texto foi redigido pelo nosso novo colaborador, que em breve fará a sua primeira aparição em conferência de imprensa, devidamente adornado com um boné laranja da JCA. Que seja a primeira de muitas investidas gloriosas, e que o destino não lhe deixe apenas participar num par de treinos, tal qual Rushfeld ou Luzhny. Um massivo Bem-Haja, e seja bem vindo.
8 comentários:
O Bock faz parte do meu imaginario juvenil tal qual Fangueiro e Cabral(o defesa lateral do Tirsense e Maritimo nao o descobridor do Brasil), alguem da minha turma conhecia o Bock " Ele bai ser maior cu gomes" ou no caso do Fangueiro "Num sei mas o gaijo parece que e melhor cuhaji" ou no caso do Cabral "Nao conheces? Joga no Tirsense com o Caetano, e meu irmao". Certamente Cabral era um pouco ofuscado pelo brilho dos seus companheiros de equipa Paredao, Daoudi, Marcelo (que tentou abrir caminho a Deco e a Pepe com a questao da naturalizacao) e principalmente o internacional A e sosia de Rui Barros, Caetano.
Tudo isto para dizer que eu tinha na cabeca que o Bock era guineense va-se la saber porque.
Ja agora a segunda foto nao e do Frasco circa 1984?
Fangueiro, Bock, Cabral... Todos jogaram no Maia!! Que saudades dessa gente, Bodunha volta que tas perdoado!
@vidalpinheiro: há sempre alguém que conhece alguém que vai ser o melhor jogador da Europa. O ex-porteiro do Moreirense, (Crodo)nilson, namorou com uma pessoa da minha família próxima, enquanto o Mozer do Braga - o Patrick Vieira dos pobres - era filho duma empregada doméstica de um amigo meu, quando era puto. A "mafía" da bola está em todo o lado.
E a foto do lado é mesmo o Bock com um bigode que lhe colei no buço :)
Pois ficou muito bem da-lhe uns ares de Henrique Calisto
O Bock andou na escola com o meu irmão, cá em Gaia:)
Eu não conheço o Bock de lado nenhum!!!
o Bock e prende lo e dar lhe uma valente coça....mesmo assim foi um prazer ter jogado ao lado dele...akele abraço kota
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